sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Capitulo Primeiro.

Capítulo 1º

MÉTIS


Mal pude entender, quando acordei estava lá. Parado em pé ao lado de minha cama. Uma figura perfeitamente humanóide, mas nitidamente não humana. Do comprimento de um anão adulto, estava parado me olhando. Não trazia nenhum traço característico do ananismo, era um adulto em miniatura perfeita. De ombros erectos e semblante imponente, esperava com falsa paciência me recuperar do susto. Envergava uma longa túnica de um Azul incomum, com pedras de lápis-lazúlis da gola à bainha que quase escondia por completo seus pés calçados em sandálias de tiras de couro bem finas. Assim que minha mente assimilou que estava vivendo um momento fantástico e testemunhando a existência de um ser mágico, ele se comunicou. Falou sem articular os lábios, falou diretamente em minha mente.

Não precisei usar os ouvidos, assim como ele não utilizou as cordas vocais. Sua voz tinha o timbre aveludado e sedutor, quase um cântico melódico em sinfonia catedrática.

- Preste atenção. Não sou desse mundo! Mas, tenho poder sobre as coisas dele, porem, preciso de sua ajuda para cumprir minha missão nesse universo.
Uma pausa auspiciosa se fez necessária. Como se cumprisse um protocolo, a mágica criatura esperou um curto, mas, precioso tempo antes de continuar seu discurso quase missionário. A pausa pareceu necessária para que minha cabeça processasse cada palavra dita em sua extensão e exata medida.

Aproximou-se de mim, estendeu a mão direita e disse:

- Esse anel é uma das chaves do invisível. Mais precisamente, a chave do cadeado dos sonhos de todos os homens.

Outra pausa auspiciosa se fez, enquanto agora eu contemplava a forma mais simples do universo: Um pequeno aro, indefinidamente amarelo ou prata, impossível de dizer.

- Esse anel é uma peça de relativo valor monetário no seu mundo, e de valor incalculável no mundo do invisível. Disse quase suspirando o ser que agora parecia crescer ao se aproximar cada vez mais.

Enquanto colocava a refinada peça na palma de minha cautelosa mão, continuou dizendo:

- Foi forjado em uma química conhecida como “Electra,” uma liga metálica composta por ouro e prata em uma única substância. Fruto da eloquência artística de um artesão muito antigo, que em seu mundo é conhecido por “Vulcano.” O poder dessa peça é considerado sem limites, sendo limitado apenas pela alma de quem o usar.
Embora o absurdo seja um assalto gritante em minha razão, a situação tinha a inegável materialidade do real, a concretude do fato inconteste. E a minha mente compreendeu: A fantasia é real!

- Experimente! Disse ele. Coloque e me siga. Mas lembre sempre disso: A sua mente é o único limite que essa peça conhece.

Coloquei a refinada peça no dedo do noivo, a jóia mal se moldou ao anelar direito e o mundo ao meu redor começou a derreter.

O quarto ao meu redor pareceu ondular como chocolate ao calor, as paredes e o teto se deformavam como queijo na brasa. Minha querida e tão amada bola de basquete parecia uma imensa jujuba em cima do armário, o nome Wilson já estava ilegível quando meu austero colchão de molas marejou como um colchão d’água e me engoliu com a fome de mil homens.

Logo me senti caindo no vazio. Agitando braços e pernas aleatoriamente no vácuo sem fim. Quando o desespero ia dominar meu ser ouvi a já conhecida voz de cântico melódico em sinfonia catedrática dizer:

- Esse vazio é o sonho virgem. Todo sonho se inicia com o vazio do abismo faminto de seus desejos. Pense em algo. Materialize sua vontade e desejo de segurança.

Não sei por que, pensei em água. Mal pensei no conceito de água e já senti meu corpo imerso numa massa d’água em busca de fôlego. O desespero me guiava em busca de ar quando ouvir a auspiciosa voz revelando o segredo de meu martírio:

- Não pense em buscar a superfície. Simplesmente pense em superfície!

Mal pensei no conceito de superfície e senti meu corpo ganhar o reconfortante prazer de ter os pulmões repletos do ar outrora escasso. O espelho d’água sumia de vista, lembrei do nosso Rio Amazonas que de tão vasto era impossível ver qualquer margem.
Meu fantástico guia no mundo do Dadaísmo se esbanjava em gargalhadas glutonas. Ao vê-lo como guia imaginei se Virgílio também riu de Dante durante a jornada da Divina Comédia, e Alighieri tenha acabado por omitir isso do texto, pelo mesmo sentimento que agora me toma: a vergonha.

Senti a vontade de dar-lhe uma bela ensebada e dizer-lhe na cara: Do que esta rindo? Nunca viu não? Mas o medo de despertar a ira de um ser mágico me conteve a língua.

- Muito bem! Disse ele ainda recuperando o fôlego. Você é prudente e isso conta muito aqui em Métis.

“Métis”. Mal pensei e ele respondeu a pergunta antes mesmo de ter terminado de formulá-la em pensamento.

-Essa mesmo! Se conheces a Métis de Zeus, mãe de Atena, então sabes que seu nome quer dizer, entre outras coisa, a palavra Prudência. Seja prudente em Métis que ela será generosa contigo, seja irresponsável com ela e ela se vingará de ti. Continuou, agora já tendo recuperado todo o fôlego e disse:

- E a propósito, sim! Já vi diversas vezes sim. Vocês aspirantes são todos iguais, nunca se apercebem de imediato que bastava pensar em ar que poderiam respirar em baixo d’água e curtir o deleite da gravidade zero.

Então havia por fim entendido: o anel deliberava de acordo com meu simples pensar e vontade. Logo já estava confortavelmente em pé e auto confiante. Pensei em uma paisagem absurdamente linda de uma natureza rica e exuberante e o anel me construiu imediatamente o horizonte de beleza natural que nem o génio de Da Vinci conseguiria pintar.

Desfrutei o prazer de carregar no cantinho da boca uma puxadinha de riso quase de soslaio e dando dois passos a frente pulei no ar e de pronto apareceu entre minhas pernas uma moto Ténéré Paris-Dacar, tendo suas luvas vindo confortavelmente pousar em minhas mãos. Logo ganhava a velocidade e o prazer de pilotar aquela robusta máquina pela irregularidade daquele paraíso só comparado ao do Éden. Lembrei de Paralamas do Sucesso e a musical Vital e sua Moto. Logo já podia ouvir a musica tocar em volume Rock in Rol em minha mente.

Imaginei uma Rodovia expressa e o paraíso deu lugar a mística de um deserto e seus fascínios, sendo cortado ao meio por uma longa faixa de asfalto negro e sua sinalização de permitido a ultrapassagem. Nem cheguei a pensar numa Harley-Davinson, minha vontade me jogou pra dentro de um confortável Maverick preto de estofados de couro. Agora era Infinita Hi-way dos Engenheiros que tocavam nos alto-falantes, trilha perfeita para um por do sol no Mojave. Daquela nave negra que cortava o vento como o fio de corte de uma espada Sarracena passei a ter a noção do poder que agora aquele, já não tão simples, anel me dava.

- Prudência! Disse meu guia sentado confortavelmente no banco do passageiro.

Certos sonhos não deveriam ter fim jamais.

(fim do primeiro capitulo)