sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CAPITULO 4

Raulzito

Raul se lembrou de quando era criança e que vivia sonhando e viajando acordado. Às vezes no sofá da casa ficava deitado brincando que as mãos eram aviões de guerra em combates aéreos. Lembrou de sua infância e de como seu espírito sempre foi extremamente lúdico. Transformava caixas de papelão em castelos medievais ou em quartéis de seus soldados de plásticos que estavam sempre em estado de alerta.

Nosso pequeno Raul usava de engenharia em seus criativos Quartéis Generais de papelão. Cortava janelas e fixava talas de coqueiro como suas grades de segurança. O interior era formado por compartimentos feitos com pedaços de papelão dividindo cômodos e levantando paredes que formavam refeitório, escritório e cela de prisão. Passarelas ligavam o refeitório as janelas colocadas mais acima, onde eram ocupadas por soldados de plástico de binóculos. De sentinelas a fuzileiros de infantaria, todos estavam sempre em seus lugares.

Quando o Quartel estava velho e muito flexível, suas talas de coqueiro já estavam com algumas soltas, suas passarelas estavam inclinadas demais era sinal que a hora do assalto havia chegado.

Primeiro armava com disciplina militar a defesa de seu Quartel General. Cada uma das janelas agora eram ocupadas com soldados de binóculos e um fuzileiro em pé fazendo mira. Do lado de fora, os soldados eram dispostos de acordo com sua posição de tiro, Os que miravam seus fuzis com o pé esquerdo fixo no chão e o joelho direito dobrado e apoiado ao solo eram colocados bem na frente das entradas ou acessos laterais e usavam como barricada caixas de fósforos. Os bonequinhos verdes que faziam mira deitados no chão eram colocados bem mais a frente em posições de vanguarda de infantaria. Do lado de dentro o escritório e o refeitório vazios, na cela o prisioneiro e fazendo sua guarda um único soldado de braços cruzados servia de sentinela.

Então o resgate do prisioneiro que inevitavelmente levaria todo o quartel a destruição começava. De um Helicóptero descia apenas dois bonecos fazendo Rapel. “Só isso?” diziam os bonequinhos verdes felizes em suas barricadas de caixas de fósforo. Mas o que os bonequinhos de cabeça de plástico não sabiam é que aqueles dois bonecos não eram bonecos quaisquer. Eram G.I Joe dos Comandos em Ação, o Ninja Branco e o Ninja Negro. Eram a última geração de bonequinhos de combate, tinham articulações no pescoço, ombros, cotovelos, pulsos, mãos, cintura, joelhos e pés que permitiam movimentos reais e grande habilidade pra desviar de balas.

Logo que tocavam o solo começavam as hostilidades. Os bonequinhos que ficavam deitados mais avançados eram rapidamente degolados então os ninjas colocavam foguetinhos nas caixas de fósforos que logo explodiam matando ou mutilando seus soldados.

Enquanto o Ninja Branco resgatava o prisioneiro o Negro matava com sua espada Samurai os sentinelas das janelas e seus francos atiradores. Antes de sair, trancavam a sentinela de braços cruzados dentro da cela e por fim armavam a grande bomba final que com contagem regressiva iria explodir levando tudo pelos ares. A bomba principal sempre era a maior e mais cara que vendia no São Cristovão, o comercio da esquina. Varias bolinhas de papel amassadas eram colocadas dentro do forte para dar volume ao fogo. Dentro de algumas delas estavam soldados de plástico verde que já estavam desgastados demais ou que por ventura estivessem mutilados pelas bombas de São João, eles seriam as baixas de guerra daquele dia, consumidos pelo fogo virariam uma poça de plástico derretida no meio do Quintal.

Tudo preparado, os soldados de plásticos mais novos eram feitos prisioneiros e amarrados com linha de pipa e colocados a dois metros do quartel, seriam obrigados a ver seu QG ser consumido pelo fogo até a explosão final. Primeiro em um voou rasante com o helicóptero era jogado álcool por um frasco de desodorante nas bolinhas de papel dentro do forte e por fim o soldado resgatado tinha as honras de jogar o palito de fósforo aceso no complexo militar preparado para explodir. A vingança perfeita por tantas horas sobre tortura.

De longe, Raulzito sentado curtia ver o fogo consumindo o papel e o papelão, a fumaça subindo do quartel dominado e agora incendiado. O ponto máximo era quando a bomba detonava e jogava tudo pelos ares. Logo Dona Joana, sua mãe rompia o quintal desesperada pra vê se o filho não tinha se machucado ou iniciado o incêndio da casa.

Mas invés de lembrar de sua amável mãe, Raul agora tinha lembranças menos doces pra associar a essas memórias do passado. Então, as imagens mostradas pelo tabuleiro de xadrez de Métis voltaram em sua mente. Durante sua meninice a morte e os massacres eram diversão para as crianças criadas no Ocidente Capitalista nos tempos de Guerra fria. Os filmes do Rambo sempre foram grandes fontes de inspiração destrutiva para sua geração. Geralmente os presentes mais esperados para o natal eram revolveres metálicos de espoleta, com os quais se matava varias vezes os vizinhos e comparsas de molecagem.

Mas Raul vira com seus olhos o sangue manchar as 64 casas do tabuleiro que separavam Stalingrado de Berlim e aquilo já não tinha nenhuma graça. Não era nenhuma poça de plástico derretido no quintal, eram pessoas que tinham sonhos, família e que perderam tudo inclusive a vida de maneira estúpida. Sentiu-se alienado e confuso, como poderia já ter se divertido brincado daquilo? Será que dentro de si havia um monstro, um psicopata homicida doentio?

Claro que não! Era apenas uma criança de 7 anos que via muitos filmes com o Silvester Stalone e sua faixa vermelha amarrada na testa. Criado numa época em que todos os meios de comunicação de massa de um jeito ou de outro reforçavam o conceito da Guerra tida como justa contra os Comunistas do Leste e seus infiltrados. Isso fez Raul lembrar que sua própria cidade natal tinha em sua égide o militarismo.

Macapá, hoje capital do Estado do Amapá, no extremo norte do Brasil tem a sua historia ligada de forma indissolúvel com a guerra nos seus mais de 200 anos de história. Isso devido a sua posição geográfica privilegiada em termos militares. Reside em suas terras Tucujus a maior fortaleza feita pelo Império Português; Base Aérea Americana; Sivam etc. Mas Raul sabia que a hospitalidade e o amor ao próximo eram características marcantes do imaginário coletivo do Amapaense. Então não era culpa de Macapá.

Pensou que talvez tivesse sido escolhido para Guardião do Anel por ter essa intimidade com Historia militar e a mente muito criativa, que com certeza deveria ser muito útil em Métis: “A sua mente é o único limite que esse anel conhece”. Mas não se convenceu muito disso, pois conhecia pessoas que foram moleques muito mais criativos que ele.

Agora Raul se lembrava de outra coisa que poderia ter lhe determinado a sorte de Guardião de tamanho poder. Raul sempre reclamava com os amigos de ter vindo numa época muito sem graça e parada. “Não vimos as Cruzadas e nem o Mar Vermelho ser aberto” dizia ele meio contrariado. Seus amigos reforçavam o contrário. “Mas Raul, nossa geração viu a queda do Muro de Berlim e do World Trade Center”. “Muito mais eventos televisivos que Históricos”, teimava o inconformado adolescente que sonhava em ver pelo menos o Apocalipse. Seus olhos tinham sede de grandes eventos, sua alma sonhava em ver imagens que lhe caísse o queixo. Então, lembrou do dia em que viu o fim do Arco-íris, não estava só e nem delirava. Tinha mesmo visto o fim do Arco-íris, mas lembrava que não havia nenhum pote de ouro ou qualquer coisa que não fosse o mato rasteiro.

Temeu por um estante, que seu ímpeto de adolescente lhe tivesse determinado um futuro cheio de imagens impressionantes e aterradoras. Percebeu que seu anel era um caleidoscópio do absurdo e que muito ainda tinha pra lhe mostrar. Raul chegou a pensar se aquilo não era uma maldição, mas preferiu pensar nesse novo poder como um Dom, mais um Dom que Deus lhe dava.

Desistiu de tentar encontrar em sua mente o motivo de ter sido escolhido Guardião e cansou desses pensamentos quando sentiu a fome martelando suas entranhas

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Capítulo 3

NOTA DO ESCRITOR: Escolhemos para essa maravilhosa História uma dinâmica que acreditamos ser bastante interessante e original. Usamos dois narradores: Quando Raul está em Métis usamos a primeira pessoa para narrar. E quando a nossa personagem estiver fora de Métis usaremos um narrador em terceira pessoa. Interessante, não?

Capitulo 3

O Sonho Acabou?

Quando despertou, sentiu-se como a própria múmia de Lênin, olhos abertos, mas sem o brilho da vida em suas órbitas. Dessa vez estava só em seu quarto, nenhuma criatura, desse mundo ou de qualquer outro lhe esperava acordar. Sentia seus ombros pesados e a nuca rígida como se a carne lhe tivesse sido substituída pelo cimento, seus tendões eram como o aço dos vergalhões que sustentavam a estrutura de concreto armado que lhe pesava o corpo. Raul pensou se era assim que um burro de carga se sentia ao fim de um dia de trabalho. Mas o Dia de Raul ainda estava só começando.

Por obra e graça do Divino, era domingo, nenhum compromisso esperava por nosso Herói. Com um sacrifício colossal Raul conseguiu sentar-se à beira da cama. Ainda mole de sono, tateou com os pés em busca de suas sandálias Havaianas, mas o que encontrou lhe despertou de vez com o susto. Havia ao lado de sua cama um par de sandálias de tiras de couro, igual as que seu guia usava. Resolveu deixar pra lá, o incomodo físico era bem maior que o espanto, sentia-se o Homem de Lata enferrujado recém saído do Mundo Mágico de Oz.

Foi quando olhou para o relógio que teve outra surpresa, sobre o criado-mudo, uma caixa pequena de madeira simples, mas de um escuro que lembrava o Rum das Antilhas, e uma folha de papel dobrada ao meio. Por motivo óbvio, Raul pegou primeiro a folha, pois naquela carta haveria alguma explicação para aqueles dois presentes inesperados.

“Saudações mágicas meu nobre infante. Ao lado dessa folha existe uma caixa de madeira vulcanizada, dentro dela você encontrará uma bolota de seiva, essa peteca cor de mel concentrado é o receptáculo do anel, retire-o do dedo e guarde-o ai em segurança”.

A Própria carta era mágica. Ao desdobrar o papel, Raul se deparou com a folha em branco. Quando fixou os olhos na altura de onde deveria iniciar a escrita, as letras foram se formando nitidamente. Letras formavam palavras, palavras formavam frases e logo orações inteiras se formavam. Raul sentiu o peso da magia quando percebeu que ao mudar de linha a anterior desaparecia da mesma forma que havia surgido do nada. De tal forma que só permanecia escrita a linha que Raul lia e logo desaparecia quando, com os olhos, mudava de novo de linha. Quando terminou de ler esse trecho, outra linha não se formou e o papel permaneceu em branco. Raul entendera a mensagem: Era hora de guardar o anel.

Pegou a caixa e sentiu seu peso, ao reconhecer o tato de Raul, a caixa se abriu revelando um interior forrado com um tecido que lembrava um meio termo entre o veludo e a seda. No tecido mágico se encontrava o receptáculo do anel. Do tamanho de uma bolinha de Ping-Pong, uma esfera cor de expeço mel se acomodava no centro da caixa. Agora com a caixa sobre a cama do seu lado direito, Raul levou sua mão esquerda em direção da direita pra tirar a preciosa jóia. Mas foi no polegar direito que encontrou o anel e não no dedo do noivo.

Raul lembrou que seu guia havia lhe dito, ainda no sonho, que a única maneira de sair de Métis é colocando o anel no polegar. Após a partida de Xadrez travada no cenário mais sangrento da historia da Europa e do mundo. Raul estava exausto e pediu para voltar para casa. Foi quando seu guia lhe ensinou o procedimento mágico para acordar de Métis. Retirar o anel do anelar e colocá-lo no polegar era o passaporte para casa.

Raul tirou o anel e de pronto, como magia, todo o seu cansaço desapareceu. Seu corpo agora sentia um grande alivio e era como se pesasse como o algodão. Junto com o anel, foi o peso do cimento e dos vergalhões do concreto armado que pesava seu corpo. Mais uma prova de força foi dada pelo anel. Que jóia maravilhosa Raul havia recebido e logo pensou:

“Por que eu? por quer o anel foi me confiado? entre 6 bilhões de seres humanos em toda a face da terra, foi pra mim que esse poder foi confiado. Mas por que? “

Então pegou o anel e o observou-o por um longo minuto, mas nada parecia de especial, não fosse a estranha cor meio prata meio dourado, passaria por um anel qualquer. Mas Raul sabia que aquele não era um anel qualquer, aquele pequeno aro já havia mostrado sua força de forma esmagadora e a voz de sinfonia catedrática soou novamente na lembrança de Raul:

- “Prudência! A sua mente é o único limite que essa peça conhece!”.

Enquanto pensava nessas palavras, virou-se para a caixa e pegou o receptáculo com cuidado, usando o indicador e o polegar da mão direita posicionou-o em direção da fraca luz do dia que passava pelas cortinas. Parecia haver movimento dentro daquela pequena esfera. Raul percebeu que não havia como abrir o receptáculo para guardar sua Aliança dos Sonhos. Mas foi só encostar o anel na esfera que o receptáculo aglutinou-o tranquilamente, como se fosse de gelatina, a esfera absorveu o anel com delicadeza e a jóia foi parar no centro da esfera maciça que agora mudou de cor, ficando bem escura quase negra. Guardou a esfera dentro da caixa que logo se fechou sem deixar nenhuma marca de abertura em seu relevo.

Desfrutando do prazer dado por tantas experiências mágicas Raul pegou de novo o papel e novas palavras apareceram magicamente como as anteriores:

“O Mal estar que sentiu é apenas para lhe lembrar que deves retirar o anel toda vez que sair de Métis. Assim limpará os resquicios deixados pelos sonhos anteriores. Sempre limpe o Anel em seu receptáculo, é o Resete que a magia dele precisa para se manter forte, não esqueça!

O único objeto mágico que lhe é permitido usar em seu mundo são as Sandálias de Hermes, ou Talaria que você sempre deve colocá-las assim que acordar e só retira-las quando por o anel em sua cama para dormir. Experimente-as".


Logo que a mensagem sumiu por completo, Raul mirou as sandálias. Hermes pensou.

“Um dos 12 Deuses Olímpicos Grego. O Mercúrio romano, mensageiro dos Deuses, protetor de todos os viajantes, do comerciante ao ladrão.”

Instintivamente soube que aquelas sandálias mágicas lhe ajudariam a percorrer longas distâncias em curto tempo.Pegou com carinho o par de sandálias do estilo Centurião Romano. Era sem dúvida uma obra prima de algum artesão de outro mundo. Suas tiras nem grossas, nem finas demais. Sua cor não era de um couro escuro, mas de um bege caramelo. Sua costura feita a mão com fios de ouro. Acabamento perfeito. Um leve sorriso foi pousar no canto de sua boca.

Raul calçou primeiro o lado esquerdo e nada aconteceu, foi quando amarrou o lado direto que a mágica se revelou: As sandálias sumiram. Seus pés pareciam descalços e logo dois pares de asas apareceram em seus calcanhares e logo bateram asas três vezes e desapareceram como as próprias sandálias. Raul sentia que as sandálias estavam em seus pés, mas eram invisíveis, escondidas dos olhos passariam a servir aquele Guardião no mundo material contra as coisas visíveis e invisíveis.

Então Raul experimentou as Sandálias de Hermes dando uma curta volta em seu quarto. Visualmente ele estava descalço a quaisquer olhos que por ventura estivessem lhe fintando naquele momento, mas sentia-se calçado e confortável e então percebeu que além de invisíveis as sandálias não ocupavam um corpo material quando calçadas, portanto poderia ele calçar tranqüilamente suas havaianas ou seus tênis.

Raul ficou fascinado e quase passou a duvidar de tudo aquilo. A fantasia se revelava descortinando um mundo novo e ainda sem fronteira conhecida. Quais os poderes que aquelas Sandálias poderiam lhe prover? Quais limites mais Raul ainda quebraria em Métis e no mundo real? O real agora era a fantasia e o sonho romperia as barreiras estabelecidas pela razão e pelas experiências de vida que aquele homem de 32 anos havia tido até em tão. E Raul pensou em seu passado, como um sonho que havia tido, suas lembranças do passado é que lhe pareciam imagens de sonhos antigos e pensou:

“Certos sonhos estão apenas começando”.

(Fim do Capitulo 3)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Capitulo 2

64 casas de sangue, neve e cartuchos.


Do banco do Maverick direto para uma poltrona de mogno, forrado de veludo macio, foi um ínfimo de segundo. Em minha frente à mágica figura sentava numa cadeira rigorosamente igual a minha. Agora percebo que estou vestindo uma túnica de mesmo feitio da dele, mas sem ornamento nenhum, simplesmente de um branco austero e confortável ao toque da pele. Entre nós, uma mesa de acácia de um escuro envelhecido, a qual sustentava um tabuleiro de xadrez em seu tampo de mármore tão branco que parecia ter saído diretamente das pedreiras de Assuã no antigo Egito.

Sem falar nada, começou a armar as peças negras em seu lado do tabuleiro, o que imediatamente me deu um súbito frio na barriga, pois sabia que definidamente o xadrez não era um dos meus fortes. O velho Carcamano que o diga, não conseguia vencer uma do velho sapateiro. Foi quando terminou de armar seu exercito que disse:

- Lembre-se, a sua mente é o único limite que esse anel conhece.

E a confiança veio de novo coroar minha alma. Lembrei de invocar os gênios de Karpov e Kasparov, o anel e os melhores enxadristas do mundo me ajudariam nessa missão. Foi quando fui armar meu jogo que percebi que as peças que meu guia havia armado em seu lado do tabuleiro não eram de madeira, mas de carne e ossos.

Seu Rei e Rainha eram personificados pelas figuras vivas de um Marajá de um reino Indiano milenar e sua Maraani. Seus bispos eram identificados pelas figuras de dois austeros RajGurús. Os elefantes pintados de hena e com a marca do pó vermelho da Deusa na testa marcavam o tempo de guerra, aqueles elegantes paquidermes faziam às vezes dos cavalos. Duas grandes torres de pedra ocupavam os extremos. A infantaria indiana ocupava os lugares pertencentes aos peões.

Lembrei do mito de que o xadrez teria nascido na Índia a indetermináveis anos atrás. Para rivalizar com tanta tradição dos guerreiros Rajput escalei o Rei das duas coroas, a do baixo e do alto Egito: O faraó Ramsés II, o Filho da Luz, e a sua grande esposa real, a mais Bela e a mais perfeita entre todas as mulheres: Nefertari. Meus bispos eram personificados pelos primeiros sacerdotes da Casa da Vida de Heliópolis e de Tebas. A cavalaria Egípcia estava armada com suas resistentes e leves vigas, que tanto deram trabalho a Muwatalli, Rei dos Hititas.

Duas grandes esfinges como as de Gisé flanqueavam o alto escalão faraônico. A infantaria Egípcia com seus característicos saiotes eram os peões do Faraó.

E mais uma vez permiti que um sorriso discreto viesse pousar no canto da boca, quando lembrei do costume que as Maraanis Rajputanas tinham de se atirarem na pira funerária de seus maridos, assim, se tornavam Sati, santificadas pelo fogo, eliminando a desgraça de ser viúva de um marajá morto. Quando por fim ia dar meu primeiro lance, meu interlocutor falou, dessa vez não diretamente em minha mente, preferiu usar todo seu órgão fonador, nervos Laríngeo recorrentes, língua e cordas vocais se articularam para falar com um ar de deboche:

- Muito bem, parece que você não matava suas aulas de história como fazia com as de matemática.

De pronto minha face ficou vermelha pela indiscrição dele. Lamentavelmente, tinha razão, meus antigos professores de matemática não conseguiram me apresentar a beleza da aritmética nos ensinos fundamental e médio. E sem mover um único músculo do corpo meu guia passou a substituir seu exercito Indiano por outro. Ainda não havia tido tempo suficiente para completar a metamorfose sobre o tabuleiro quando, mais uma vez falou:

- Vamos deixar as poeiras da antiguidade aos cuidados dos papiros e seus escribas, e vamos ver como você se sai na contemporaneidade.

De pronto o clima fechou, a luz ficou escassa e a tensão emprestou o peso do chumbo ao ar. O oxigênio parecia queimar mucosas em todo o aparelho respiratório. Mal pude conter o espanto e o terror de ver que o exército negro agora era representado pelo 3º Reich e a sombria Máquina de Guerra Nazista. Podia jurar que ouvi a sinfonia de “A Cavalgada das Valquírias” do Alemão Richard Wagner ressoar ouvidos adentro quando vi que seu Rei e Rainha eram Adolf Hitler e a jovem Eva Braun. O bispo do rei foi personificado pelo Papa Pio XII, também conhecido como o Papa de Hitler. Já o bispo da rainha foi representado pelo Papa atual Bento XVI, Joseph Ratzinger que nessa época era da juventude Hitlerista. Seus cavalos se transformaram de elefantes indianos para os terríveis tanques Tiger da divisão de blindados Panzer (Panzerkampfwagen). As torres do seu lado do tabuleiro lembravam as dos campos de concentração como Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Sobibor. A SS (Schutzstaffel) formavam o corpo de peões sobre as ordens do ReichFüher SS Himmler.

De imediato o tabuleiro de xadrez passou a se moldar de acordo com o mapa da Europa sem perder nenhuma de suas 64 casas. O clima de guerra ficou acentuado por um leve nevoeiro que agora ganhava o tabuleiro, sirenes e luzes de holofotes saindo das torres cortavam a neblina e projetavam sombras que de tão medonhas pareciam ter saído diretamente da própria mente de quem decorou o inferno.

Em alguns casos conhecidos da História sabemos que homicidas doentios eram comuns em todos os tempos e lugares. O próprio termo Chauvinista vem da devoção apaixonada de Nicholas Chauvin por Napoleão e suas diretrizes. O Chauvinista é muito mais que a raia miúda dos bajuladores. Um Chauvinista é apaixonado e reconhece numa determinada ideologia a única maneira viável de existir enquanto agente social convencido de sua superioridade e faz questão de exerce La como obrigação cívica com seu povo, etnia e Estado.

Mas no caso Nazista parecia que o corpo inteiro de sua máquina humana era apaixonado pelo partido e seus ódios e crenças. Chauvinistas de carteirinha do Partido Nacional Socialista Alemão (Partido Nazista). Ser nazista é muito mais Totalitário que ser socialista ou comunista. Pois os materialistas entendem de forma racional que o Comunismo é resultado do amadurecimento de uma classe social, a trabalhadora. Mas o Nazista é um religioso, sua fé é cega e irracional, seus julgamentos não consideram padrões morais ou altruístas. Sua obrigação como Raça (sic) era dominar as por eles chamadas de inferiores. Não simplesmente vencê-las, mas dominá-las ou extingui-las.

A Segunda Guerra trazia um novo conceito de conflito, que suplantava o campo de batalha. Não bastava mais vencer o Exército inimigo militarmente. Agora o objetivo era exterminar também a sociedade, o Estado e as etnias ligadas a máquina do poder dominante de uma nação em conflito. Bombardeios visando massacrar a população civil de forma fria e calculada como ato de vingança por ataques covardes e infames feitos pela Luftwaffer Alemã em solo europeu eram atividades rotineiras entre as Forças Aliadas. A RAF (Royal Air Force) Inglesa e a USAAF (Unides States Army Air Force ) A Aeronáutica Estadunidense. Passavam dias bombardeando cidades populosas sem alvos militares específicos. Objetivo: Alvos civis: Eu, você, minha mãe e a sua. Nessa luta sem mocinho e todos bandidos um lema tremulava todas as bandeiras: “Nessa Guerra Não Existe Civís.” Todos os Exércitos envolvidos nesse conflito tão extremo deveriam ter sido julgados em Nuremberg em bancos paralelos aos dos Nacionalistas Socialistas Alemães. Poucos países seriam inocentados como o Brasil. Mas se a balança da neutralidade julgasse as grandes nações, seria pouca corda para tanto laço.

Alguns de seus peões da Waffer-SS seguravam com firmeza pela coleira pastores-alemães que latiam enquanto a baba escorria de suas mandíbulas carniceiras. O Terrorismo psicológico foi uma das armas-chave da política de intimidação Nazista e pra isso nada melhor que um cão chamado de “Pastor Alemão” e um soldado chamado de “ovelha superior”. No fundo eram dois cachorros do mesmo dono: O Füher.

Para vencer Hitler só escalando o homem que o encurralou no Bunker da Chancelaria em Berlim. Joseph Stalin e sua 3º esposa, Rosa Kagnovick eram agora meu Rei e minha Rainha. Nunca tive simpatia pelos Socialistas, mas a história havia sido favorável a eles nesse confronto. Negar a história é não entender seu presente e perder de vista seu futuro. Meus bispos foram encarnados pelos comissários do Partido Revolucionário Comunista e ateu. Meus cavalos Egípcios e suas vigas se transformaram nos revolucionários Tanques blindados T-34, com sua auspiciosa blindagem angular que fazia ricochetear a artilharia inimiga. Minhas torres ganharam as famosas formas das torres coloridas do Grande Palácio do Kremlin, obra da graça do Czar Nicolau I.

Meus peões foram representados pela infantaria mais numerosa, despreparada e desarmada do conflito, mas a devoção pela revolução levaram muitos a darem sua vida com amor. Outros deram suas vidas por quer ou morriam lutando contra os nazistas ou morriam pelas metralhadoras do seu próprio exercito como covardes e traidores. Dentre muitas paixões e obrigações, sobreviveu aquele que no meio do caos conseguiu crê em alguma coisa: Em Deus ou no Comunismo. Essa era a infantaria do Exército Vermelho, uma massa derivada da exploração de todas as classes por um único Partido, o Comunista.

Surpreendentemente meu adversário deu o primeiro lance da partida mesmo estando ele jogando, em teoria, com as pedras negras.

- Ei, você não pode mudar as regras do jogo! Disse eu surpreso com minha audácia em usar um tom de voz tão imperativo.

Com um sorriso debochado disse:

- Você esqueceu que foi Hitler que quebrou o pacto de não agressão e atacou primeiro?

Claro que não havia esquecido a má fadada operação Barbarossa, batizada com esse nome em homenagem ao Imperador Frederico I, Barbarossa, do Império Germânico. Ao fim da operação, caia o mito da invencibilidade de Hitler e marcaria o início do declínio do III Reich. Mas também não havia esquecido que segundo as regras do jogo, eu deveria dar início a abertura.

- Tudo bem! Disse eu recobrando o controle. Sempre joguei melhor com as pretas.

Minha primeira providência foi inverter as casas do tabuleiro. Dando a ele a configuração do exército branco. Em seguida, pensei em substituir Stalin e Rosa por Lênin e Nádia. Mas, acabei optando por Trotsky e Natália Sedova como casal real, afinal de contas foi Leon Trotsky que em menos de um ano transformou o derrotado exército Czarista no temido Exército Vermelho, e seria ele, também, o sucessor natural de Lênin não fossem as manobras Stalinistas.

Permiti-me um sorriso de soslaio, a história estava ao meu favor. Pra fechar com chave de ouro as substituições no campo de batalha, substituí os comissários das funções de bispos e escalei como Bispo do Rei o lendário General Zhukov e de Bispo da Rainha coloquei o temível herói de guerra Vasile Zaitzev. Que nascido nos Montes Urais, foi o maior Snaiper, atirador de elite que a 2º Grande Guerra produziu.

Então a peleja começou de fato. Percebi que meu guia dava desenvolvimento a Abertura Espanhola. Que quase me deixou preocupado, pois foi na Guerra Civil Espanhola que Fascistas e Nazistas testaram com êxito suas Máquinas de Guerra apoiando os conservadores de Franco. Não seria nenhum pouco auspicioso me ver pintado por Picasso em mais uma Guernica no final dessa partida.

Logo havia respondido o primeiro lance do meu adversário e ele passou a dividir sua ofensiva em três frentes: A primeira, do centro, seguiu em direção da casa que no mapa estampado pelo tabuleiro representava a Capital Moscovita. Por sorte, Giovanne havia me ensinado a evitar o Mate do Pastor. Portanto, nem precisei usar os gênios de Kasparov e Karpov para isso. A segunda frente, a do norte, rumou em direção de Leningrado. Por fim, o terceiro grupo, sudoeste, partiu pra dominar as casas mapeadas pelas ricas regiões petrolífera do Caúcaso e dos campos de trigo da Ucrânia.

Agradeci ao fato de que na época da criação do xadrez ainda não havia a tecnologia de aviões de guerra, pois a Luftwaffer destruiu a grande maioria dos aviões Soviéticos antes mesmo desses alçarem voou. Quanto maior a tecnologia maior a destruição, Dresden que o diga. Foi quando parei o avanço das negras em Smolensk que vi que poderia repetir a história e virar esse jogo. Contando com a ajuda do rigoroso inverno soviético e a megalomania do Füher, terminaria essa partida como vencedor. Mas nada parecia ainda definido.

Como esperado, a grande virada na ofensiva se deu pela disputa da casa referente a Stalingrado. Ali eu iria resistir até o último cartucho. Stalingrado já estava em ruínas quando controlei em definitivo aquela posição, fincando ali meu bispo Vasile Zaitzev e seu rifle antitanque de 20mm onde acoplava uma mira telescópica Mosin-Nagant rindo ao lembrar que Hitler chegou a comentar que “ A nova fronteira da Alemanha seria nos Montes Urais”. Irônico, pois ele mesmo, Vasile, havia nascido nos Urais.

Agora cabia aos meus blindados T-34 empurrarem de volta a Berlim a Wehrmacht Alemã. Utilizando o bispo Zhukov para capitanear a ofensiva e coordenando o ataque da Infantaria Soviética e os blindados T-34 o Exército Vermelho marchou em ritmo acelerado capturando e empurrando as peças do meu adversário de volta ao território Alemão. A Resistência foi suicida e poucas rendições por parte dos peões Nazistas foi a marca desse processo. Uma última batalha de cavalos travada entre os Tigres Panser e os T-34 terminou favorável ao Foice e Martelo soviéticos em Kursk. Tendo perdido a iniciativa do jogo, meu adversário opta pelo roque, a jogada defensiva em que se movimenta a torre e o rei em único lance. Após realizar o roque-menor, pude visualizar Hitler acuado no bunker do subsolo da chancelaria. O Füher agora parecia muito mais velho que no início da partida e sua envergadura imponente deu espaço a um velho decrépito, corcunda e com mal de Parkinson.

Quando tomei a casa referente aos Portões de Brandemburgo, o “Arco do Trinfo” Alemão lembrei-me de Napoleão que, assim como Hitler, teve seus sonhos imperialistas engolidos pelo inverno Russo. O "Brandenburger Tor" era posição chave para desferir o golpe final, Cabeça-de-Lança para o cheque-mate. Meu adversário desiste da partida. Hitler diz: “Minhas palavras caíram em ouvidos surdos, dentre essas condições não tenho mais como liderar, esta tudo acabado. Irremediavelmente acabado, a Guerra esta perdida”.

Tivéssemos usado as peças originais ele teria derrubado seu rei. Mas nas circunstâncias atuais, sua renúncia em continuar a partida foi simbolizada pelos suicídios de Hitler e Eva Braun. Foi mágico ver com meus próprios olhos a cena: Hitler coloca na boca a cápsula de cianureto e disparou contra a própria cabeça a bala mais auspiciosa fabricada pela indústria de guerra de Albert Speer. Tudo estava acabado. Assim como o exército vermelho havia vencido a maquina militar nazista, eu havia vencido meu guia e adversário nessa partida de xadrez que foi sem duvida, a mais sangrenta da historia desse esporte.

Embora a partida tivesse encerrada, a animação continuava no tabuleiro. Apreciei o sabor da vitoria vendo a bandeira soviética tremular no alto da chancelaria enquanto os corpos de Hitler e Eva Braun eram reduzidos as cinzas por 200 litros de gasolina. Pensei, que se o resultado tivesse sido outro, como derrubaria meu Rei? Seria uma cena bizarra, ver Trotsky tombar com uma picareta de alpinista fincada no tampo da cabeça pelas mãos indiretas de Stalin.

Foi quando os soldados soviéticos começaram a pilhar, saquear e a estuprar Berlim e suas mulheres que percebi que numa guerra como essa, não importa quem vence, pois quem sempre perde é o povo: Homens, mulheres, crianças e idosos, os verdadeiros derrotados pelas guerras.

Já não sentia o prazer da vitoria, mas amargurava na boca o sabor putrefado de carne humana. Parecia que salivava o sabor acre de sangue derramado. Fiz minha vontade usar o anel para sumir com aquele tabuleiro de horror da minha frente e fechando os olhos tive vontade de chorar e rezar.

- Muito bem, estou orgulhoso de você. Disse meu guia com uma voz que tentava me servir de consolo.

- Orgulhoso por quê? Por ter vencido o pai do Holocausto promovendo vários massacres em massa para isso?

- Não! Ponderou-o. Estou orgulhoso por você ter aprendido uma valiosa lição nessa partida.

- E qual é de fato essa lição, de que um sonho bom pode se tornar um pesadelo de uma hora para outra?

- Não, mas de que nossas atitudes ganham sub-dimensões que fogem ao nosso controle e que mesmo uma ação acertada pode produzir erros em cadeia.

Não conseguia pensar em mais nada coerente em meio aquela barbárie.

- Quero ir pra casa.

-tudo bem.

Foi quando pensei: Certos pesadelos não deveriam ser sonhados jamais.

(Fim do segundo capítulo)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Capitulo Primeiro.

Capítulo 1º

MÉTIS


Mal pude entender, quando acordei estava lá. Parado em pé ao lado de minha cama. Uma figura perfeitamente humanóide, mas nitidamente não humana. Do comprimento de um anão adulto, estava parado me olhando. Não trazia nenhum traço característico do ananismo, era um adulto em miniatura perfeita. De ombros erectos e semblante imponente, esperava com falsa paciência me recuperar do susto. Envergava uma longa túnica de um Azul incomum, com pedras de lápis-lazúlis da gola à bainha que quase escondia por completo seus pés calçados em sandálias de tiras de couro bem finas. Assim que minha mente assimilou que estava vivendo um momento fantástico e testemunhando a existência de um ser mágico, ele se comunicou. Falou sem articular os lábios, falou diretamente em minha mente.

Não precisei usar os ouvidos, assim como ele não utilizou as cordas vocais. Sua voz tinha o timbre aveludado e sedutor, quase um cântico melódico em sinfonia catedrática.

- Preste atenção. Não sou desse mundo! Mas, tenho poder sobre as coisas dele, porem, preciso de sua ajuda para cumprir minha missão nesse universo.
Uma pausa auspiciosa se fez necessária. Como se cumprisse um protocolo, a mágica criatura esperou um curto, mas, precioso tempo antes de continuar seu discurso quase missionário. A pausa pareceu necessária para que minha cabeça processasse cada palavra dita em sua extensão e exata medida.

Aproximou-se de mim, estendeu a mão direita e disse:

- Esse anel é uma das chaves do invisível. Mais precisamente, a chave do cadeado dos sonhos de todos os homens.

Outra pausa auspiciosa se fez, enquanto agora eu contemplava a forma mais simples do universo: Um pequeno aro, indefinidamente amarelo ou prata, impossível de dizer.

- Esse anel é uma peça de relativo valor monetário no seu mundo, e de valor incalculável no mundo do invisível. Disse quase suspirando o ser que agora parecia crescer ao se aproximar cada vez mais.

Enquanto colocava a refinada peça na palma de minha cautelosa mão, continuou dizendo:

- Foi forjado em uma química conhecida como “Electra,” uma liga metálica composta por ouro e prata em uma única substância. Fruto da eloquência artística de um artesão muito antigo, que em seu mundo é conhecido por “Vulcano.” O poder dessa peça é considerado sem limites, sendo limitado apenas pela alma de quem o usar.
Embora o absurdo seja um assalto gritante em minha razão, a situação tinha a inegável materialidade do real, a concretude do fato inconteste. E a minha mente compreendeu: A fantasia é real!

- Experimente! Disse ele. Coloque e me siga. Mas lembre sempre disso: A sua mente é o único limite que essa peça conhece.

Coloquei a refinada peça no dedo do noivo, a jóia mal se moldou ao anelar direito e o mundo ao meu redor começou a derreter.

O quarto ao meu redor pareceu ondular como chocolate ao calor, as paredes e o teto se deformavam como queijo na brasa. Minha querida e tão amada bola de basquete parecia uma imensa jujuba em cima do armário, o nome Wilson já estava ilegível quando meu austero colchão de molas marejou como um colchão d’água e me engoliu com a fome de mil homens.

Logo me senti caindo no vazio. Agitando braços e pernas aleatoriamente no vácuo sem fim. Quando o desespero ia dominar meu ser ouvi a já conhecida voz de cântico melódico em sinfonia catedrática dizer:

- Esse vazio é o sonho virgem. Todo sonho se inicia com o vazio do abismo faminto de seus desejos. Pense em algo. Materialize sua vontade e desejo de segurança.

Não sei por que, pensei em água. Mal pensei no conceito de água e já senti meu corpo imerso numa massa d’água em busca de fôlego. O desespero me guiava em busca de ar quando ouvir a auspiciosa voz revelando o segredo de meu martírio:

- Não pense em buscar a superfície. Simplesmente pense em superfície!

Mal pensei no conceito de superfície e senti meu corpo ganhar o reconfortante prazer de ter os pulmões repletos do ar outrora escasso. O espelho d’água sumia de vista, lembrei do nosso Rio Amazonas que de tão vasto era impossível ver qualquer margem.
Meu fantástico guia no mundo do Dadaísmo se esbanjava em gargalhadas glutonas. Ao vê-lo como guia imaginei se Virgílio também riu de Dante durante a jornada da Divina Comédia, e Alighieri tenha acabado por omitir isso do texto, pelo mesmo sentimento que agora me toma: a vergonha.

Senti a vontade de dar-lhe uma bela ensebada e dizer-lhe na cara: Do que esta rindo? Nunca viu não? Mas o medo de despertar a ira de um ser mágico me conteve a língua.

- Muito bem! Disse ele ainda recuperando o fôlego. Você é prudente e isso conta muito aqui em Métis.

“Métis”. Mal pensei e ele respondeu a pergunta antes mesmo de ter terminado de formulá-la em pensamento.

-Essa mesmo! Se conheces a Métis de Zeus, mãe de Atena, então sabes que seu nome quer dizer, entre outras coisa, a palavra Prudência. Seja prudente em Métis que ela será generosa contigo, seja irresponsável com ela e ela se vingará de ti. Continuou, agora já tendo recuperado todo o fôlego e disse:

- E a propósito, sim! Já vi diversas vezes sim. Vocês aspirantes são todos iguais, nunca se apercebem de imediato que bastava pensar em ar que poderiam respirar em baixo d’água e curtir o deleite da gravidade zero.

Então havia por fim entendido: o anel deliberava de acordo com meu simples pensar e vontade. Logo já estava confortavelmente em pé e auto confiante. Pensei em uma paisagem absurdamente linda de uma natureza rica e exuberante e o anel me construiu imediatamente o horizonte de beleza natural que nem o génio de Da Vinci conseguiria pintar.

Desfrutei o prazer de carregar no cantinho da boca uma puxadinha de riso quase de soslaio e dando dois passos a frente pulei no ar e de pronto apareceu entre minhas pernas uma moto Ténéré Paris-Dacar, tendo suas luvas vindo confortavelmente pousar em minhas mãos. Logo ganhava a velocidade e o prazer de pilotar aquela robusta máquina pela irregularidade daquele paraíso só comparado ao do Éden. Lembrei de Paralamas do Sucesso e a musical Vital e sua Moto. Logo já podia ouvir a musica tocar em volume Rock in Rol em minha mente.

Imaginei uma Rodovia expressa e o paraíso deu lugar a mística de um deserto e seus fascínios, sendo cortado ao meio por uma longa faixa de asfalto negro e sua sinalização de permitido a ultrapassagem. Nem cheguei a pensar numa Harley-Davinson, minha vontade me jogou pra dentro de um confortável Maverick preto de estofados de couro. Agora era Infinita Hi-way dos Engenheiros que tocavam nos alto-falantes, trilha perfeita para um por do sol no Mojave. Daquela nave negra que cortava o vento como o fio de corte de uma espada Sarracena passei a ter a noção do poder que agora aquele, já não tão simples, anel me dava.

- Prudência! Disse meu guia sentado confortavelmente no banco do passageiro.

Certos sonhos não deveriam ter fim jamais.

(fim do primeiro capitulo)