sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Capitulo 2

64 casas de sangue, neve e cartuchos.


Do banco do Maverick direto para uma poltrona de mogno, forrado de veludo macio, foi um ínfimo de segundo. Em minha frente à mágica figura sentava numa cadeira rigorosamente igual a minha. Agora percebo que estou vestindo uma túnica de mesmo feitio da dele, mas sem ornamento nenhum, simplesmente de um branco austero e confortável ao toque da pele. Entre nós, uma mesa de acácia de um escuro envelhecido, a qual sustentava um tabuleiro de xadrez em seu tampo de mármore tão branco que parecia ter saído diretamente das pedreiras de Assuã no antigo Egito.

Sem falar nada, começou a armar as peças negras em seu lado do tabuleiro, o que imediatamente me deu um súbito frio na barriga, pois sabia que definidamente o xadrez não era um dos meus fortes. O velho Carcamano que o diga, não conseguia vencer uma do velho sapateiro. Foi quando terminou de armar seu exercito que disse:

- Lembre-se, a sua mente é o único limite que esse anel conhece.

E a confiança veio de novo coroar minha alma. Lembrei de invocar os gênios de Karpov e Kasparov, o anel e os melhores enxadristas do mundo me ajudariam nessa missão. Foi quando fui armar meu jogo que percebi que as peças que meu guia havia armado em seu lado do tabuleiro não eram de madeira, mas de carne e ossos.

Seu Rei e Rainha eram personificados pelas figuras vivas de um Marajá de um reino Indiano milenar e sua Maraani. Seus bispos eram identificados pelas figuras de dois austeros RajGurús. Os elefantes pintados de hena e com a marca do pó vermelho da Deusa na testa marcavam o tempo de guerra, aqueles elegantes paquidermes faziam às vezes dos cavalos. Duas grandes torres de pedra ocupavam os extremos. A infantaria indiana ocupava os lugares pertencentes aos peões.

Lembrei do mito de que o xadrez teria nascido na Índia a indetermináveis anos atrás. Para rivalizar com tanta tradição dos guerreiros Rajput escalei o Rei das duas coroas, a do baixo e do alto Egito: O faraó Ramsés II, o Filho da Luz, e a sua grande esposa real, a mais Bela e a mais perfeita entre todas as mulheres: Nefertari. Meus bispos eram personificados pelos primeiros sacerdotes da Casa da Vida de Heliópolis e de Tebas. A cavalaria Egípcia estava armada com suas resistentes e leves vigas, que tanto deram trabalho a Muwatalli, Rei dos Hititas.

Duas grandes esfinges como as de Gisé flanqueavam o alto escalão faraônico. A infantaria Egípcia com seus característicos saiotes eram os peões do Faraó.

E mais uma vez permiti que um sorriso discreto viesse pousar no canto da boca, quando lembrei do costume que as Maraanis Rajputanas tinham de se atirarem na pira funerária de seus maridos, assim, se tornavam Sati, santificadas pelo fogo, eliminando a desgraça de ser viúva de um marajá morto. Quando por fim ia dar meu primeiro lance, meu interlocutor falou, dessa vez não diretamente em minha mente, preferiu usar todo seu órgão fonador, nervos Laríngeo recorrentes, língua e cordas vocais se articularam para falar com um ar de deboche:

- Muito bem, parece que você não matava suas aulas de história como fazia com as de matemática.

De pronto minha face ficou vermelha pela indiscrição dele. Lamentavelmente, tinha razão, meus antigos professores de matemática não conseguiram me apresentar a beleza da aritmética nos ensinos fundamental e médio. E sem mover um único músculo do corpo meu guia passou a substituir seu exercito Indiano por outro. Ainda não havia tido tempo suficiente para completar a metamorfose sobre o tabuleiro quando, mais uma vez falou:

- Vamos deixar as poeiras da antiguidade aos cuidados dos papiros e seus escribas, e vamos ver como você se sai na contemporaneidade.

De pronto o clima fechou, a luz ficou escassa e a tensão emprestou o peso do chumbo ao ar. O oxigênio parecia queimar mucosas em todo o aparelho respiratório. Mal pude conter o espanto e o terror de ver que o exército negro agora era representado pelo 3º Reich e a sombria Máquina de Guerra Nazista. Podia jurar que ouvi a sinfonia de “A Cavalgada das Valquírias” do Alemão Richard Wagner ressoar ouvidos adentro quando vi que seu Rei e Rainha eram Adolf Hitler e a jovem Eva Braun. O bispo do rei foi personificado pelo Papa Pio XII, também conhecido como o Papa de Hitler. Já o bispo da rainha foi representado pelo Papa atual Bento XVI, Joseph Ratzinger que nessa época era da juventude Hitlerista. Seus cavalos se transformaram de elefantes indianos para os terríveis tanques Tiger da divisão de blindados Panzer (Panzerkampfwagen). As torres do seu lado do tabuleiro lembravam as dos campos de concentração como Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Sobibor. A SS (Schutzstaffel) formavam o corpo de peões sobre as ordens do ReichFüher SS Himmler.

De imediato o tabuleiro de xadrez passou a se moldar de acordo com o mapa da Europa sem perder nenhuma de suas 64 casas. O clima de guerra ficou acentuado por um leve nevoeiro que agora ganhava o tabuleiro, sirenes e luzes de holofotes saindo das torres cortavam a neblina e projetavam sombras que de tão medonhas pareciam ter saído diretamente da própria mente de quem decorou o inferno.

Em alguns casos conhecidos da História sabemos que homicidas doentios eram comuns em todos os tempos e lugares. O próprio termo Chauvinista vem da devoção apaixonada de Nicholas Chauvin por Napoleão e suas diretrizes. O Chauvinista é muito mais que a raia miúda dos bajuladores. Um Chauvinista é apaixonado e reconhece numa determinada ideologia a única maneira viável de existir enquanto agente social convencido de sua superioridade e faz questão de exerce La como obrigação cívica com seu povo, etnia e Estado.

Mas no caso Nazista parecia que o corpo inteiro de sua máquina humana era apaixonado pelo partido e seus ódios e crenças. Chauvinistas de carteirinha do Partido Nacional Socialista Alemão (Partido Nazista). Ser nazista é muito mais Totalitário que ser socialista ou comunista. Pois os materialistas entendem de forma racional que o Comunismo é resultado do amadurecimento de uma classe social, a trabalhadora. Mas o Nazista é um religioso, sua fé é cega e irracional, seus julgamentos não consideram padrões morais ou altruístas. Sua obrigação como Raça (sic) era dominar as por eles chamadas de inferiores. Não simplesmente vencê-las, mas dominá-las ou extingui-las.

A Segunda Guerra trazia um novo conceito de conflito, que suplantava o campo de batalha. Não bastava mais vencer o Exército inimigo militarmente. Agora o objetivo era exterminar também a sociedade, o Estado e as etnias ligadas a máquina do poder dominante de uma nação em conflito. Bombardeios visando massacrar a população civil de forma fria e calculada como ato de vingança por ataques covardes e infames feitos pela Luftwaffer Alemã em solo europeu eram atividades rotineiras entre as Forças Aliadas. A RAF (Royal Air Force) Inglesa e a USAAF (Unides States Army Air Force ) A Aeronáutica Estadunidense. Passavam dias bombardeando cidades populosas sem alvos militares específicos. Objetivo: Alvos civis: Eu, você, minha mãe e a sua. Nessa luta sem mocinho e todos bandidos um lema tremulava todas as bandeiras: “Nessa Guerra Não Existe Civís.” Todos os Exércitos envolvidos nesse conflito tão extremo deveriam ter sido julgados em Nuremberg em bancos paralelos aos dos Nacionalistas Socialistas Alemães. Poucos países seriam inocentados como o Brasil. Mas se a balança da neutralidade julgasse as grandes nações, seria pouca corda para tanto laço.

Alguns de seus peões da Waffer-SS seguravam com firmeza pela coleira pastores-alemães que latiam enquanto a baba escorria de suas mandíbulas carniceiras. O Terrorismo psicológico foi uma das armas-chave da política de intimidação Nazista e pra isso nada melhor que um cão chamado de “Pastor Alemão” e um soldado chamado de “ovelha superior”. No fundo eram dois cachorros do mesmo dono: O Füher.

Para vencer Hitler só escalando o homem que o encurralou no Bunker da Chancelaria em Berlim. Joseph Stalin e sua 3º esposa, Rosa Kagnovick eram agora meu Rei e minha Rainha. Nunca tive simpatia pelos Socialistas, mas a história havia sido favorável a eles nesse confronto. Negar a história é não entender seu presente e perder de vista seu futuro. Meus bispos foram encarnados pelos comissários do Partido Revolucionário Comunista e ateu. Meus cavalos Egípcios e suas vigas se transformaram nos revolucionários Tanques blindados T-34, com sua auspiciosa blindagem angular que fazia ricochetear a artilharia inimiga. Minhas torres ganharam as famosas formas das torres coloridas do Grande Palácio do Kremlin, obra da graça do Czar Nicolau I.

Meus peões foram representados pela infantaria mais numerosa, despreparada e desarmada do conflito, mas a devoção pela revolução levaram muitos a darem sua vida com amor. Outros deram suas vidas por quer ou morriam lutando contra os nazistas ou morriam pelas metralhadoras do seu próprio exercito como covardes e traidores. Dentre muitas paixões e obrigações, sobreviveu aquele que no meio do caos conseguiu crê em alguma coisa: Em Deus ou no Comunismo. Essa era a infantaria do Exército Vermelho, uma massa derivada da exploração de todas as classes por um único Partido, o Comunista.

Surpreendentemente meu adversário deu o primeiro lance da partida mesmo estando ele jogando, em teoria, com as pedras negras.

- Ei, você não pode mudar as regras do jogo! Disse eu surpreso com minha audácia em usar um tom de voz tão imperativo.

Com um sorriso debochado disse:

- Você esqueceu que foi Hitler que quebrou o pacto de não agressão e atacou primeiro?

Claro que não havia esquecido a má fadada operação Barbarossa, batizada com esse nome em homenagem ao Imperador Frederico I, Barbarossa, do Império Germânico. Ao fim da operação, caia o mito da invencibilidade de Hitler e marcaria o início do declínio do III Reich. Mas também não havia esquecido que segundo as regras do jogo, eu deveria dar início a abertura.

- Tudo bem! Disse eu recobrando o controle. Sempre joguei melhor com as pretas.

Minha primeira providência foi inverter as casas do tabuleiro. Dando a ele a configuração do exército branco. Em seguida, pensei em substituir Stalin e Rosa por Lênin e Nádia. Mas, acabei optando por Trotsky e Natália Sedova como casal real, afinal de contas foi Leon Trotsky que em menos de um ano transformou o derrotado exército Czarista no temido Exército Vermelho, e seria ele, também, o sucessor natural de Lênin não fossem as manobras Stalinistas.

Permiti-me um sorriso de soslaio, a história estava ao meu favor. Pra fechar com chave de ouro as substituições no campo de batalha, substituí os comissários das funções de bispos e escalei como Bispo do Rei o lendário General Zhukov e de Bispo da Rainha coloquei o temível herói de guerra Vasile Zaitzev. Que nascido nos Montes Urais, foi o maior Snaiper, atirador de elite que a 2º Grande Guerra produziu.

Então a peleja começou de fato. Percebi que meu guia dava desenvolvimento a Abertura Espanhola. Que quase me deixou preocupado, pois foi na Guerra Civil Espanhola que Fascistas e Nazistas testaram com êxito suas Máquinas de Guerra apoiando os conservadores de Franco. Não seria nenhum pouco auspicioso me ver pintado por Picasso em mais uma Guernica no final dessa partida.

Logo havia respondido o primeiro lance do meu adversário e ele passou a dividir sua ofensiva em três frentes: A primeira, do centro, seguiu em direção da casa que no mapa estampado pelo tabuleiro representava a Capital Moscovita. Por sorte, Giovanne havia me ensinado a evitar o Mate do Pastor. Portanto, nem precisei usar os gênios de Kasparov e Karpov para isso. A segunda frente, a do norte, rumou em direção de Leningrado. Por fim, o terceiro grupo, sudoeste, partiu pra dominar as casas mapeadas pelas ricas regiões petrolífera do Caúcaso e dos campos de trigo da Ucrânia.

Agradeci ao fato de que na época da criação do xadrez ainda não havia a tecnologia de aviões de guerra, pois a Luftwaffer destruiu a grande maioria dos aviões Soviéticos antes mesmo desses alçarem voou. Quanto maior a tecnologia maior a destruição, Dresden que o diga. Foi quando parei o avanço das negras em Smolensk que vi que poderia repetir a história e virar esse jogo. Contando com a ajuda do rigoroso inverno soviético e a megalomania do Füher, terminaria essa partida como vencedor. Mas nada parecia ainda definido.

Como esperado, a grande virada na ofensiva se deu pela disputa da casa referente a Stalingrado. Ali eu iria resistir até o último cartucho. Stalingrado já estava em ruínas quando controlei em definitivo aquela posição, fincando ali meu bispo Vasile Zaitzev e seu rifle antitanque de 20mm onde acoplava uma mira telescópica Mosin-Nagant rindo ao lembrar que Hitler chegou a comentar que “ A nova fronteira da Alemanha seria nos Montes Urais”. Irônico, pois ele mesmo, Vasile, havia nascido nos Urais.

Agora cabia aos meus blindados T-34 empurrarem de volta a Berlim a Wehrmacht Alemã. Utilizando o bispo Zhukov para capitanear a ofensiva e coordenando o ataque da Infantaria Soviética e os blindados T-34 o Exército Vermelho marchou em ritmo acelerado capturando e empurrando as peças do meu adversário de volta ao território Alemão. A Resistência foi suicida e poucas rendições por parte dos peões Nazistas foi a marca desse processo. Uma última batalha de cavalos travada entre os Tigres Panser e os T-34 terminou favorável ao Foice e Martelo soviéticos em Kursk. Tendo perdido a iniciativa do jogo, meu adversário opta pelo roque, a jogada defensiva em que se movimenta a torre e o rei em único lance. Após realizar o roque-menor, pude visualizar Hitler acuado no bunker do subsolo da chancelaria. O Füher agora parecia muito mais velho que no início da partida e sua envergadura imponente deu espaço a um velho decrépito, corcunda e com mal de Parkinson.

Quando tomei a casa referente aos Portões de Brandemburgo, o “Arco do Trinfo” Alemão lembrei-me de Napoleão que, assim como Hitler, teve seus sonhos imperialistas engolidos pelo inverno Russo. O "Brandenburger Tor" era posição chave para desferir o golpe final, Cabeça-de-Lança para o cheque-mate. Meu adversário desiste da partida. Hitler diz: “Minhas palavras caíram em ouvidos surdos, dentre essas condições não tenho mais como liderar, esta tudo acabado. Irremediavelmente acabado, a Guerra esta perdida”.

Tivéssemos usado as peças originais ele teria derrubado seu rei. Mas nas circunstâncias atuais, sua renúncia em continuar a partida foi simbolizada pelos suicídios de Hitler e Eva Braun. Foi mágico ver com meus próprios olhos a cena: Hitler coloca na boca a cápsula de cianureto e disparou contra a própria cabeça a bala mais auspiciosa fabricada pela indústria de guerra de Albert Speer. Tudo estava acabado. Assim como o exército vermelho havia vencido a maquina militar nazista, eu havia vencido meu guia e adversário nessa partida de xadrez que foi sem duvida, a mais sangrenta da historia desse esporte.

Embora a partida tivesse encerrada, a animação continuava no tabuleiro. Apreciei o sabor da vitoria vendo a bandeira soviética tremular no alto da chancelaria enquanto os corpos de Hitler e Eva Braun eram reduzidos as cinzas por 200 litros de gasolina. Pensei, que se o resultado tivesse sido outro, como derrubaria meu Rei? Seria uma cena bizarra, ver Trotsky tombar com uma picareta de alpinista fincada no tampo da cabeça pelas mãos indiretas de Stalin.

Foi quando os soldados soviéticos começaram a pilhar, saquear e a estuprar Berlim e suas mulheres que percebi que numa guerra como essa, não importa quem vence, pois quem sempre perde é o povo: Homens, mulheres, crianças e idosos, os verdadeiros derrotados pelas guerras.

Já não sentia o prazer da vitoria, mas amargurava na boca o sabor putrefado de carne humana. Parecia que salivava o sabor acre de sangue derramado. Fiz minha vontade usar o anel para sumir com aquele tabuleiro de horror da minha frente e fechando os olhos tive vontade de chorar e rezar.

- Muito bem, estou orgulhoso de você. Disse meu guia com uma voz que tentava me servir de consolo.

- Orgulhoso por quê? Por ter vencido o pai do Holocausto promovendo vários massacres em massa para isso?

- Não! Ponderou-o. Estou orgulhoso por você ter aprendido uma valiosa lição nessa partida.

- E qual é de fato essa lição, de que um sonho bom pode se tornar um pesadelo de uma hora para outra?

- Não, mas de que nossas atitudes ganham sub-dimensões que fogem ao nosso controle e que mesmo uma ação acertada pode produzir erros em cadeia.

Não conseguia pensar em mais nada coerente em meio aquela barbárie.

- Quero ir pra casa.

-tudo bem.

Foi quando pensei: Certos pesadelos não deveriam ser sonhados jamais.

(Fim do segundo capítulo)

Um comentário:

  1. Gênios nascem pra fazer do mundo um lugar melhor pra se viver, não é a toa que caras como Jimi Hendrix, da vinci, Shakespeare, Kasparov, entre outros, nasceram nesse tabuleiro de horror, pois com as metralhadoras de "Machine Gun" de Jimi Hendrix as obras e inventos de Da Vinci, junto as Mil e umas noites de Jogadas estratégicamente articuladas por Kasparov, nada de mais seria possível de bom neste mundo, se não tivessem gênios que com o usar do seu órgão fonador, desta vez não com ironia ou deboche, mas sim como instrumentos vivos de contestação e repúdio, fazem de suas palavras, a todo esse escarcel e babárie presente nele, uma reflexão honrosa para aqules que lêem, assim dissidentes, dessa política estreita e extramente autoritária, tornam-se amantes e curadores da natureza do ser! Parabéns Buba! felizmente ainda nos é possível sonhar, os pesadelos existem sim, não só no escuro do sono. Mas sermos objetos de transformação isso é impagável meu amigo. Você é F.O.D.A rsrs.. meu.. velho .. du karalho texto, com certeza será um grande livro..Abração meu brother!! Fike na Paz! Flw!!

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