sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CAPITULO 4

Raulzito

Raul se lembrou de quando era criança e que vivia sonhando e viajando acordado. Às vezes no sofá da casa ficava deitado brincando que as mãos eram aviões de guerra em combates aéreos. Lembrou de sua infância e de como seu espírito sempre foi extremamente lúdico. Transformava caixas de papelão em castelos medievais ou em quartéis de seus soldados de plásticos que estavam sempre em estado de alerta.

Nosso pequeno Raul usava de engenharia em seus criativos Quartéis Generais de papelão. Cortava janelas e fixava talas de coqueiro como suas grades de segurança. O interior era formado por compartimentos feitos com pedaços de papelão dividindo cômodos e levantando paredes que formavam refeitório, escritório e cela de prisão. Passarelas ligavam o refeitório as janelas colocadas mais acima, onde eram ocupadas por soldados de plástico de binóculos. De sentinelas a fuzileiros de infantaria, todos estavam sempre em seus lugares.

Quando o Quartel estava velho e muito flexível, suas talas de coqueiro já estavam com algumas soltas, suas passarelas estavam inclinadas demais era sinal que a hora do assalto havia chegado.

Primeiro armava com disciplina militar a defesa de seu Quartel General. Cada uma das janelas agora eram ocupadas com soldados de binóculos e um fuzileiro em pé fazendo mira. Do lado de fora, os soldados eram dispostos de acordo com sua posição de tiro, Os que miravam seus fuzis com o pé esquerdo fixo no chão e o joelho direito dobrado e apoiado ao solo eram colocados bem na frente das entradas ou acessos laterais e usavam como barricada caixas de fósforos. Os bonequinhos verdes que faziam mira deitados no chão eram colocados bem mais a frente em posições de vanguarda de infantaria. Do lado de dentro o escritório e o refeitório vazios, na cela o prisioneiro e fazendo sua guarda um único soldado de braços cruzados servia de sentinela.

Então o resgate do prisioneiro que inevitavelmente levaria todo o quartel a destruição começava. De um Helicóptero descia apenas dois bonecos fazendo Rapel. “Só isso?” diziam os bonequinhos verdes felizes em suas barricadas de caixas de fósforo. Mas o que os bonequinhos de cabeça de plástico não sabiam é que aqueles dois bonecos não eram bonecos quaisquer. Eram G.I Joe dos Comandos em Ação, o Ninja Branco e o Ninja Negro. Eram a última geração de bonequinhos de combate, tinham articulações no pescoço, ombros, cotovelos, pulsos, mãos, cintura, joelhos e pés que permitiam movimentos reais e grande habilidade pra desviar de balas.

Logo que tocavam o solo começavam as hostilidades. Os bonequinhos que ficavam deitados mais avançados eram rapidamente degolados então os ninjas colocavam foguetinhos nas caixas de fósforos que logo explodiam matando ou mutilando seus soldados.

Enquanto o Ninja Branco resgatava o prisioneiro o Negro matava com sua espada Samurai os sentinelas das janelas e seus francos atiradores. Antes de sair, trancavam a sentinela de braços cruzados dentro da cela e por fim armavam a grande bomba final que com contagem regressiva iria explodir levando tudo pelos ares. A bomba principal sempre era a maior e mais cara que vendia no São Cristovão, o comercio da esquina. Varias bolinhas de papel amassadas eram colocadas dentro do forte para dar volume ao fogo. Dentro de algumas delas estavam soldados de plástico verde que já estavam desgastados demais ou que por ventura estivessem mutilados pelas bombas de São João, eles seriam as baixas de guerra daquele dia, consumidos pelo fogo virariam uma poça de plástico derretida no meio do Quintal.

Tudo preparado, os soldados de plásticos mais novos eram feitos prisioneiros e amarrados com linha de pipa e colocados a dois metros do quartel, seriam obrigados a ver seu QG ser consumido pelo fogo até a explosão final. Primeiro em um voou rasante com o helicóptero era jogado álcool por um frasco de desodorante nas bolinhas de papel dentro do forte e por fim o soldado resgatado tinha as honras de jogar o palito de fósforo aceso no complexo militar preparado para explodir. A vingança perfeita por tantas horas sobre tortura.

De longe, Raulzito sentado curtia ver o fogo consumindo o papel e o papelão, a fumaça subindo do quartel dominado e agora incendiado. O ponto máximo era quando a bomba detonava e jogava tudo pelos ares. Logo Dona Joana, sua mãe rompia o quintal desesperada pra vê se o filho não tinha se machucado ou iniciado o incêndio da casa.

Mas invés de lembrar de sua amável mãe, Raul agora tinha lembranças menos doces pra associar a essas memórias do passado. Então, as imagens mostradas pelo tabuleiro de xadrez de Métis voltaram em sua mente. Durante sua meninice a morte e os massacres eram diversão para as crianças criadas no Ocidente Capitalista nos tempos de Guerra fria. Os filmes do Rambo sempre foram grandes fontes de inspiração destrutiva para sua geração. Geralmente os presentes mais esperados para o natal eram revolveres metálicos de espoleta, com os quais se matava varias vezes os vizinhos e comparsas de molecagem.

Mas Raul vira com seus olhos o sangue manchar as 64 casas do tabuleiro que separavam Stalingrado de Berlim e aquilo já não tinha nenhuma graça. Não era nenhuma poça de plástico derretido no quintal, eram pessoas que tinham sonhos, família e que perderam tudo inclusive a vida de maneira estúpida. Sentiu-se alienado e confuso, como poderia já ter se divertido brincado daquilo? Será que dentro de si havia um monstro, um psicopata homicida doentio?

Claro que não! Era apenas uma criança de 7 anos que via muitos filmes com o Silvester Stalone e sua faixa vermelha amarrada na testa. Criado numa época em que todos os meios de comunicação de massa de um jeito ou de outro reforçavam o conceito da Guerra tida como justa contra os Comunistas do Leste e seus infiltrados. Isso fez Raul lembrar que sua própria cidade natal tinha em sua égide o militarismo.

Macapá, hoje capital do Estado do Amapá, no extremo norte do Brasil tem a sua historia ligada de forma indissolúvel com a guerra nos seus mais de 200 anos de história. Isso devido a sua posição geográfica privilegiada em termos militares. Reside em suas terras Tucujus a maior fortaleza feita pelo Império Português; Base Aérea Americana; Sivam etc. Mas Raul sabia que a hospitalidade e o amor ao próximo eram características marcantes do imaginário coletivo do Amapaense. Então não era culpa de Macapá.

Pensou que talvez tivesse sido escolhido para Guardião do Anel por ter essa intimidade com Historia militar e a mente muito criativa, que com certeza deveria ser muito útil em Métis: “A sua mente é o único limite que esse anel conhece”. Mas não se convenceu muito disso, pois conhecia pessoas que foram moleques muito mais criativos que ele.

Agora Raul se lembrava de outra coisa que poderia ter lhe determinado a sorte de Guardião de tamanho poder. Raul sempre reclamava com os amigos de ter vindo numa época muito sem graça e parada. “Não vimos as Cruzadas e nem o Mar Vermelho ser aberto” dizia ele meio contrariado. Seus amigos reforçavam o contrário. “Mas Raul, nossa geração viu a queda do Muro de Berlim e do World Trade Center”. “Muito mais eventos televisivos que Históricos”, teimava o inconformado adolescente que sonhava em ver pelo menos o Apocalipse. Seus olhos tinham sede de grandes eventos, sua alma sonhava em ver imagens que lhe caísse o queixo. Então, lembrou do dia em que viu o fim do Arco-íris, não estava só e nem delirava. Tinha mesmo visto o fim do Arco-íris, mas lembrava que não havia nenhum pote de ouro ou qualquer coisa que não fosse o mato rasteiro.

Temeu por um estante, que seu ímpeto de adolescente lhe tivesse determinado um futuro cheio de imagens impressionantes e aterradoras. Percebeu que seu anel era um caleidoscópio do absurdo e que muito ainda tinha pra lhe mostrar. Raul chegou a pensar se aquilo não era uma maldição, mas preferiu pensar nesse novo poder como um Dom, mais um Dom que Deus lhe dava.

Desistiu de tentar encontrar em sua mente o motivo de ter sido escolhido Guardião e cansou desses pensamentos quando sentiu a fome martelando suas entranhas

Um comentário:

  1. fala Jesuuussss

    rs que saudades de vc é o Rui : )

    mataleao.z@gmail.com

    escreve pra mim pow.

    grande abraço jsus

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